domingo, 31 de maio de 2009

O perfil da segunda oficina da TP 3, realizada em 18 de maio






Se compararmos a postura das cursistas nesta oficina com a primeira, já é possível notar um grande avanço. Percebi que todas estavam bem mais envolvidas com as discussões fomentadas pelo próprio roteiro da oficina. Um debate sobre o papel do professor em sala de aula ganhou espaço novamente. "No momento de propor uma atividade, levamos em conta o perfil sociocultural de nossos discentes?"
Iniciamos o encontro seguindo o roteiro sugerido na página 194, da TP 3. As cursistas, no momento de fazer críticas ao desenvolvimento do assunto (sequências tipológicas), foram unânimes em afirmar que o fragmento de Vidas Secas escolhido é muito complexo para distinguir uma sequência descritiva de uma narrativa. Por precaução, levei ao encontro outro trecho do mesmo livro, o qual, segundo elas, foi mais adequado ao tipo de atividade proposta. Leia-o a seguir:

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas.
Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
- Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas.
O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
- Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo.Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário, e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.

O fragmento apresenta nitidamente sequências narrativas e descritivas, mas é esta que predomina, até porque Graciliano Ramos prioriza o panorama ambiental em que esses retirantes estão inseridos, andando a esmo. Ao longo do texto – podemos observar – são vários os momentos em que há uma preocupação em fazer com que o leitor crie uma imagem de um sertão marcado pela seca, a qual interfere gravemente no comportamento agressivo de Fabiano. A exemplo, notemos acima os trechos em negrito.

Quanto ao texto de Jô Soares, em que um grupo deveria enumerar argumentos para que o texto fosse considerado um exercício de redação escolar e o outro, justamente o contrário, obtivemos as mais curiosas formas de observar tais aspectos. Como complementação desta atividade, expus a minha forma de argumentar e contra-argumentar a respeito. Vejamos:

1. Argumentos levantados por mim para que o texto seja considerado um exercício de redação escolar.
· A expressão “Lá em casa” (8º parágrafo) é uma sugestão de que, pelo menos em casa, o menino não está. É possível então que ele, dentro do ambiente escolar, tenha sua casa como referencial.
· É inegável que o texto, embora com algumas falhas estruturais, passou pelo olhar de alguém experiente, possivelmente uma professora.
· Em casa, não é comum um familiar pedir para que uma criança faça uma redação. Isso é normalmente uma tarefa escolar.
2. Argumentos levantados por mim para que o texto não seja considerado um exercício de redação escolar.
· O texto, mesmo aparentemente corrigido, apresenta alguns problemas estruturais que certamente seriam percebidos por uma professora. Observemos a expressão inicial dos parágrafos 2, 3, 5 e 6: “Meu pai”. Além disso, onde a criança escreve “ai” (8º parágrafo) deveria ser “aí”.
· A linguagem do emissor mostra-nos que se trata de uma criança que, de acordo com as evidências do texto, apresenta mínima noção do que seja salário mínimo; portanto, é pouco provável que tenha sido uma tarefa escolar, até porque uma professora tem de levar em conta a mentalidade de quem escreve.
· Se fosse um exercício escolar, talvez ele não citasse duas vezes o nome de sua professora, já que é ela, a princípio, quem irá ler o seu texto.
Na quarta parte, destinada a observações sobre o desenvolvimento das oficinas, percebemos que as cursistas e até mesmo eu como formador temos dificuldades de entender alguns passos da oficina. Se isso não é um caso isolado, sugerimos apenas que nos próximos anos, caso esse projeto tenha continuidade, os livros de TP sejam mais precisos em seus objetivos. Fazemos aqui somente uma crítica construtiva.



Uma oficina dentro de outra oficina



Antes de encerrá-la, propus outra oficina, cujos métodos utilizados estão discriminados após o texto Circuito Fechado, de Ricardo Ramos, que poderemos ler abaixo:


Circuito Fechado (Ricardo Ramos)
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda, copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas, caixa de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo. xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.


Proposta de trabalho sobre o texto acima:

1. Divisão das cursistas em três grupos;
2. Leitura e interpretação do texto;
3. Sorteio dos números 1. Descrição; 2. Narração. 3. Dissertação.
4. Grupo 1: criação de um perfil físico e psicológico da pessoa descrita em “Circuito Fechado"); grupo 2: narrativa da rotina dessa pessoa; grupo 3: análise do comportamento dessa mesma pessoa e suas consequências
5. Montagem do texto de acordo com as impressões dos três grupos.
Para encerrar a oficina, fizemos um debate a respeito do que seria letramento. O que cada cursista entendia sobre o assunto. Para isso, fiz a leitura de um texto que nossa orientadora Cida nos enviou, que é bastante conciso e cujo título é “Alfabetização e linguagem” na perspectiva de “alfabetizar letrando”.

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