quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O PERFIL DA NONA OFICINA, REALIZADA NO DIA 21 DE OUTUBRO DE 2009 - TP 1

... E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões...
Caetano Veloso. Língua.
Iniciamos a oficina realizando a atividade relacionada ao texto de referência (p. 47 a 49), que trata da variação lingüística, baseada nos graus de formalismo propostos por Bowen.
Segundo as cursistas – e concordo com elas –, o texto em discussão apresenta uma subdivisão exaustiva que pouco contribui para um melhor entendimento do que seja considerado formal e informal no campo da linguagem. As próprias questões propostas na atividade já nos induzem a considerar o texto como inadequado a um debate sobre linguagem oral ou escrita, já que em algumas passagens as definições se confundem ou se apresentam repetitivas.
No seguimento de nosso encontro, passamos ao debate sobre as experiências do Avançando na Prática:
A professora Nágela, que desenvolveu com uma turma de EJA a oficina da p. 17, relata que a crônica de Drummond não foi suficiente para o bom rendimento da leitura dramática sugerida no roteiro; por isso, lançou mão de outras crônicas para enriquecer a atividade. No entanto, segundo ela, os alunos tiveram dificuldade para separar a fala dos personagens. Isso demonstra que muitos deles têm um conhecimento muito limitado sobre as funções de alguns sinais de pontuação, como, nesse caso, o travessão. Em contrapartida, o resultado que ela obteve, ao realizar a mesma atividade com uma turma de sétima série, foi muito melhor.
Quanto à crônica “A outra senhora”, também de Drummond, expomos a seguir as respostas dadas pela cursista Maria Aparecida Morelli Fernandes à bateria de perguntas sugeridas na oficina. Ela optou por juntar as respostas, formando um único texto. Observemos a seguir algumas passagens de seu depoimento:

Minha expectativa, após a leitura do texto, não foi a correta, pois imaginava uma linguagem menos complexa para a carta de uma garotinha.
Além do dialeto/registro da criança, a carta mostra traços de outros, que são de publicitários, que possuem a intenção de informar e atrair o leitor para adquirir o produto anunciado. Além disso, podemos notar dois níveis de linguagem diferentes criando o efeito humorístico.
(...)
A criança, ao meu ver, domina o vocabulário técnico presente na sua carta. Podemos observar nas expressões utilizadas, tais como: “Radiofono Hi Fi de som estereofônico”, máquina de lavar roupa, sistema de tambor rotativo”. Eu não domino completamente tal vocabulário, somente alguns termos de que tenho conhecimento e informação e qualquer criança no nível da autora do texto que também tenha capacidade de escrever uma carta como a dela. Nas propagandas notamos a intenção de atrair o leitor/telespectador/ouvinte com a linguagem técnica.
Na minha opinião, a intenção do autor ao fazer essa crônica seria a de nos atrair com a linguagem técnica e chamar a atenção para a linguagem da menina. Apesar dos “desvios ortográficos”, apresenta um texto coerente e bem estruturado, através do humor, e, independente disso, parecem claras duas críticas de Drummond, que são: a linguagem técnica da menina ( para sua idade parece ser praticamente impossível elaborar um texto de tal porte ) e a ortografia ( apesar de apresentar “problemas de escrita”, é um texto coerente e bem estruturado )
(...)
Podemos chegar à conclusão de que a cada momento, através das expressões técnicas utilizadas de forma gradativa e humorística na construção de um texto literário, apresenta uma linguagem técnica.
A crônica, na minha opinião é ótima de ser ler, agradável e engraçada. A cada trecho lido ficamos atraídos para saber o final (na verdade que presente a menina deu à mãe? )

No que se refere à seguinte pergunta “Você trabalharia essa crônica com seus alunos de 5ª a 8ª série", observemos a seguir a opinião da referida professora:

Utilizaria, sem problemas, a crônica de 5ª a 8ª séries. É ótima para trabalhar modalidades da nossa língua, incluindo ortografia e pontuação, de forma mais interessante.


Como formador e sobretudo como professor de língua portuguesa, acredito que assuntos relacionados à modalidade da língua deveriam ser levados mais a sério pelos próprios livros didáticos, a fim de diminuir o preconceito lingüístico em que todos estamos inseridos. Ao contrário, percebemos que a maioria dos autores, assim como acontece com o texto de Bowen (texto referência), estão mais preocupados em impor termos técnicos que pouco contribuem com o aprimoramento de quem escreve. Percamos menos tempo com a nomenclatura e valorizemos mais o histórico sociocultural de nossos alunos. Ou seja, entendamos primeiramente que público é esse que nos chega para depois agirmos com as ferramentas certas.
Essa discussão sobre o texto referência foi tão pertinente, que resolvi, alguns dias após a realização dessa oficina, desenvolver com meus alunos de sétima série um trabalho de produção textual, cujo objetivo era fazê-los escrever lançando mão dos vários níveis de fala. O resultando foi muito interessante, até porque eles mesmos começaram a ter outra noção sobre o que seria de fato falar “certo” ou “errado”. Vejamos a seguir a proposta:
Os alunos, divididos em grupos, participariam de um sorteio do qual constariam os nomes “funkeiro”, “líder sindical”, “delegado”, “radialista”, “mauricinho ou patricinha” e “morador de zona rural”. Cada grupo, assumindo as características dos nomes acima de acordo com o sorteio, iria escrever um texto protestando contra o fechamento da única escola municipal de um bairro muito carente. Esse bairro poderia ser fictício, o que seria mais sensato. Observemos abaixo o resultado adquirido:

Trabalhos da 702
FANKEIROS
Nor mora na favela ondi tem uma escola só. A prefeitura chego chegano, quereno fechá. Como nossos menor num tem onde estuda, tamu fazeno esse protesto pa num deixa fecha. Sinão, num vão ter onde estuda. Aí vão entra pro mundu do crimi e nor num qué isso. Queremo uma vida melhor pa eis. Aí batemo um fio pus manu nosso, juntamu mulão pá ir lá na prefeitura e arma uma zuera ate eis abri a escola, mais eis sismaru que não vão abri denovo. Se eis num abri, nor vamu nus homi, até eis vê que os manu precisa de escola.

LÍDER SINDICAL
Nós precisamos combater o fechamento da escola de Portões, pois se a escola fechar, como as crianças irão aprender. Algumas não têm como ir para a escola por falta de transporte. Isso não é um dever de só quem estuda, mas sim de todos. Nós temos que dar as mãos e combate mais essa injustiça. Uma das coisas mais importantes também: como é que as crianças vão atravessar a rua com vários carros passando? Então, gritem! Não fechem a escola! Não fechem a escola! As crianças do nosso bairro precisam estudar!

DELEGADO
Estamos aqui para protestar contra o fechamento da única escola do bairro, e que é tão importante para essa comunidade. A escola mais próxima fica a 7 km e não tem nenhum transporte, e as crianças têm que ir a pé, e correm risco, pois o trânsito está muito violento.
Fechar essa escola é uma barbaridade. Ponha a mão na consciência, senhor prefeito. As nossas crianças têm sede de aprendizado, e nós estamos aqui para que o senhor abra a escola novamente. Essa escola está há muito tempo neste bairro. É o futuro das nossas crianças que está em jogo. Esta escola é a porta para que nossos filhos possam ter um futuro cheio de esperança.
E temos esperança de que podemos vencer essa luta!

RADIALISTA
Queridos ouvintes, estamos mais um dia juntos para fazer um apelo. Desta vez estão querendo acabar com a única escola de nosso bairro mais humilde. Muitas dessas crianças dependem da merenda para ter o que comer. E se fecharem a escola, o caminho mais fácil para elas seguirem será o caminho das drogas e do crime. Além de tudo, muitos funcionários públicos, como professores, diretores, cozinheiros, etc., ficarão sem o único meio de sustento.
Vamos pedir ao prefeito e à Secretaria de Educação que se ponham no lugar dessas famílias e reflitam sobre os problemas. Por isso, convoco a todos os meus ouvintes para juntos fazermos um abaixo-assinado. Por favor, não fechem as portas do futuro dessas crianças. Bom dia e até nosso próximo programa.

MAURICINHO E PATRICINHA
- Caraka, aí, vão fechar o colégio!
-e a minha reputação como é que fica?
- Pow! E o meu futuro brilhante?! Eu não quero ser mais um trombadinha nesse mundo, como mais um qualquer! Eu protesto!
- Vou contratar o melhor advogado do meu pai para entrar com um processo contra uma prefeitura de merda. Esse bando de pobre que não sabe administrar os bens que eles possuem. Se fosse alguém de minha família, isso não iria acontecer.
- Vou chamar a minha galera para protestar contra o fechamento da escola.

MORADOR DE ZONA RURAL
Todos nós somos “moradores de zona rural e estamos muito tristes e chateados com tudo que querem fazer com nossa única escola, pois nosso bairro é muito humilde e temos apenas essa escola. Nós trabalhamos o dia inteiro para tentar dar aos nossos filhos tudo aquilo que nossos pais não conseguiram nos dar, e é muito difícil sabermos que trabalhamos tanto em vão; demos cadernos, lápis, caneta, borracha, para ver se conseguimos dar a eles um futuro melhor, e agora eles querem entrar aqui e destruir o futuro de nossas crianças.
Esse é o nosso protesto. Esperamos que alguém tome alguma atitude.

Considerando o aspecto sociocomunicativo dos textos em questão, percebemos que poucos foram os grupos que atingiram o objetivo. O grupo dos funkeiros e o dos radialistas pertencem a esse rol. O primeiro, apesar de caricato, reproduz na escrita todo o modo de falar desse meio social, utilizando gírias e sem se preocupar com os mecanismos de concordância. Além disso, o outro grupo, o dos radialistas, utilizou-se de uma linguagem simples, já que precisava se comunicar facilmente com o grande público. O senso crítico, que faz parte das funções de um radialista, esteve presente no texto.
Quanto ao texto proposto pelo mauricinho e pela patricinha, houve inicialmente uma preocupação com a linguagem, mas logo esse aspecto tão importante foi abandonado. Por outro, percebemos certa incoerência no discurso deles, pois, sendo essa única escola do bairro muito pobre e tendo sua família vários advogados, certamente esses dois jovens não estudariam ali, por fazerem parte de um outro grupo social. Portanto, é um texto ideologicamente incoerente.
Já o típico morador de zona rural, o delegado e o líder sindical não apresentam uma linguagem que os caracterizasse como tais. O texto tem a preocupação em manter uma gramática predominantemente culta, ficando em segundo plano o coloquialismo, que é típico do primeiro, e o senso crítico, próprio dos demais.
No entanto, termos colocado em discussão as variações linguísticas e o preconceito que as cerca foi muito proveitoso. Os alunos sentem-se muito mais à vontade para desenvolver esse tipo de atividade e passam a entender qual a importância de se respeitar o mundo sociocultural de nossos interlocutores, para que haja de fato comunicação. Parabéns a esses alunos.




















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